A FEIJOADA DA SAUDADE
Em 1973, eles dividiam carteira, caderno e travessuras no pátio do Centro Educacional de João
Monlevade, uma escola que, hoje, mora na memória e no coração daqueles menestréis entusiastas. A ideia partiu do Caetano –
aquele mesmo, do fundão da sala, que agora é PHD em Agronomia e que jura que
aprendeu cálculo olhando pela janela. Foi ele quem, num acesso de nostalgia e
saudade bem temperada, decidiu reunir com Alzira, Eduardo Quaresma, Elizete e a minha Neguinha para reviverem os tempos da pré-adolescência e adolescência. E, como bons mineiros teimosos, juntamente com um aqui e outro ali fizeram florescer a ideia, fazendo disso uma tradição.
A "Tetéia", chácara da
Alzira do pudim de pão que é mais gostoso que o do Afonso, autor dessa lavra,
foi escolhida novamente como palco do reencontro. A Ângela, a Anjinha, que nada de anjo
tem, a não ser as mãos de fada para transformar o que os senhores feudais não
queriam, em uma bela feijoada. A panela fumegando, o cheirinho do bacon
dourando no fogão, a roda de samba se armando devagarzinho debaixo da
mangueira, e os abraços... ah, os abraços! Aqueles que vêm com um sorriso
largo, olhos que brilham mais que o sol de junho e frases que começam com
"lembra daquela vez que...?".
Aos poucos, a
turma vai chegando, uns mais, outros menos ressabiados, mas é só atravessar o
portão da chácara para que todos voltem a ser adolescentes de novo.
Professores, empresários, dentistas, engenheiros, donas de casa, artistas...
tudo se dissolve diante da lembrança do recreio. Voltam os apelidos, as piadas
internas, os segredos sussurrados nas tardes de aula de geografia.
Quando chegamos, eu e a Neguinha de carona com a Dorinha do Juninho, já tinha muita gente lá preparando o regabofe, enquanto os demais proseavam: Eduardo Quaresma, Yone, Maristane, Eni, Cida Resende, Renato Drumond, Sãozinha, Nequinha, Neide, Genivaldo, Márcio ( aniversariante que deu o primeiro pedaço do bolo para a Maristane – aí tem coisa!!!) E foram chegando o Miltinho, o Edimar, a Margarete, Mariana, o Edmílson, trazendo o Fábio Franca, pai da Mileana - segundo os demais ele já teria se tornado um mascote da turma - com a sua voz de tenor à la Nelson Gonçalves; chegou também o Cáril e sua esposa Edilene ( Há quanto tempo não os via...). É ... e os cônjuges se fazendo presentes, dando aval àquele reencontro, se encaixando perfeitamente naquele espírito de comunhão fraterna. E como isso é fundamental para o sucesso daquela reunião saudosista!!!
E assim, ao som do
tilintar dos copos e das cantorias das “meninas” autorizadas pela "ALEXA" a
balançar a Sapucaí, que depois se transformou “naquela mesa tá faltando ele
...” e numa grande seresta brindando à amizade. E assim, fica a certeza:
algumas escolas não começam nem terminam com o sino do princípio e nem do fim da
última aula. Algumas continuam, firmes e saborosas, como a feijoada da Ângela–
onde, a cada colherada, se saboreia o passado com gosto de eternidade.
Tem sempre aquele que lembra de tudo, o outro que não lembra de nada, e o que ainda traz xerox das fotos amareladas. Uns têm cabelos brancos, outros, quase nenhum. Alguns se veem sempre, outros só nessa ocasião, mas ninguém se sente de fora ... que encanto, o Nequinha, vindo lá de perto do do Chuí... Segundo a minha Neguinha, o dito já transitou muito por aqueles lados da Tôrre Eifel ... ( Êpa, não é que degustei um licor Francês?) - Um verdadeiro marqueteiro e registrador-mor do encontro que não perdia um flash ... E não é que todos foram premiados, mais uma vez, vendo, vivendo e revivendo os momentos do encontro através dos vídeos e fotos tão bem preparados por ele? Nas palavras da Eni, "... sorrisos são reflexos da explosão de amor!"
Naquela chácara, o
tempo parece parar e a escola volta a existir – não mais como prédio, mas como
presença viva em cada história contada entre uma colherada de feijoada, regada
de caipirinha, cerveja, vinho e a famosa água ardente, tão bem definida pelo
Dr. Honoris Causa em Agronomia, Caetano de la Ferrari.
A cada ano, um
novo motivo para brindar. Às vezes a chegada de um neto, outras vezes o
reencontro com alguém que nunca tinha vindo... Há também o silêncio respeitoso
por aquele que não pôde vir ... que pena, mas a cadeira dele sempre está
reservada nas lembranças...
E quando o dia vai
terminando e o céu começa a se pintar de laranja ... a fogueira já foi acesa e
a resenha continua até chegar aquele momento inevitável: o da despedida de
alguns que não pernoitariam por lá. Trocam-se promessas de não deixar a
tradição morrer, porque, mais do que um almoço, aquele encontro é uma ponte.
Uma ponte entre o que foram e o que ainda são, entre o ontem e o agora.
No domingo eu já não estava lá, mas imagino as resenhas nas lembranças do dia anterior entre os resistentes, incansáveis, aqueles que sempre são os primeiros a chegar e os últimos a sair; que antes de fechar as cortinas ainda tiveram fôlego para fazer um balanço melhor que este escrivinhador... Mas uma coisa eu vou dizer e, com certeza, não ficarei sozinho nessa: a nossa anfitriã, Zizi, sabe como receber com maestria, com o zêlo daquela mãe afetuosa, onde o olhar e o sorriso entregam, com docilidade, a satisfação de rever os filhos que retornam àquela casa...
Há quatro anos, um
tratado silencioso – mais eficiente que qualquer acordo de paz internacional –
reina soberano numa chácara afastada e ou em qualquer lugar que seja marcado
tal encontro, onde se reúne uma turma que, em 1973, aprendeu a conjugar o verbo
“aprontar e vencer" com maestria. Esses encontros viraram ritual, onde o tempo retrocede
e os cabelos – mesmo os que não resistiram aos anos – balançam ao vento como na
juventude.
Mas o segredo
desse reencontro não está só na feijoada fumegante ou nas cantorias que brotam
sob a mangueira. Está no pacto não escrito, porém sagrado: ali, não se fala de
política, religião ou futebol. São os três tabus, os três cavaleiros do
apocalipse da harmonia. Nessa República da Feijoada, essas bandeiras ficam do
lado de fora, penduradas no retrovisor do carro, junto com os estresses da
semana. Cria-se novas bandeiras com as máximas: Aqui impera a Política da boa
Amizade, a Fé em Deus e uma torcida única: Turma de 1973.
A verdade é que
essa turma entendeu, com os anos, que existe um território onde as diferenças
não são ameaças, mas paisagens, onde a lembrança do professor Guido Valamiel
corrigindo a pronúncia de “houveram problemas” é mais poderosa que qualquer
opinião sobre Brasília. Onde o passado comum vale mais que as certezas do
presente.
Naquela tarde, em
que os pássaros cantam entre uma colherada e outra, todos são apenas ex-alunos.
Nenhum título, nenhuma ideologia, nenhum time. Só histórias cruzadas e risos
que parecem vindos direto dos corredores da escola.
E talvez essa seja
a verdadeira lição que trouxeram da infância: que existe um lugar onde podemos
simplesmente ser. Sem precisar provar nada, nem convencer ninguém. Apenas
sentir o gosto da amizade e do amor, mais fortes que qualquer feijão temperado.
E isso, sim, é patrimônio imaterial da turma de 1973.