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quarta-feira, 21 de setembro de 2011



DE VOLTA AO PASSADO

“- Atenção passageiros da linha 151 com destino ao bairro Santa Cruz, preparem-se que o ônibus já está chegando...”- dizia o moleque em tom de gozação àquelas pessoas, que depois de um dia cansativo de trabalho esperavam impaciente o lotação. Lá estava eu, depois de tanto tempo, não para ir para a minha casa, pois já havia mudado para Carneirinhos em 1981, onde me casei e constitui família; e sim, para matar saudade daquele lugar que, antigamente, era conhecido como centro de Monlevade, e hoje, como centro Industrial. Mas, exatamente eu estava indo para a rua Tapajós, onde nasci e vivi os primeiros 23 anos de minha vida.
        Depois de me acomodar numa cadeira ao lado da janela, meu pensamento voou longe, desenhando em minha mente mil imagens remanescentes do passado: as estradinhas feitas no barranco; as peladinhas no campinho, incluindo as brigas com Dimas Bodão e os tapas-canoa que me davam por não saber jogar na linha, acompanhado de uma severa ordem para que eu fosse "pegar no gol"; as brincadeiras de “soldado-ladrão”  na gameleira e pique-bandeira; o jogo de finca e bolinhas de gude no triângulo – um trevo onde não havia praça, em frente à ponte de madeira que já não existe mais; o tobogã que constantemente se instalava na praça da igreja, onde eu brincava em troca de trabalho; os preparativos e os festejos da Semana Santa na Gruta da Igreja, incluindo barraquinhas, calvário, queima do Judas e as procissões que iniciavam na Igreja São José Operário, atravessavam  a ponte de madeira da minha rua, indo para a rua Tocantins, Beira Rio e depois retornavam pela outra ponte de madeira, perto da rodoviária; as idas ao campo de futebol do Jacuí e o retorno pela linha de trem até chegar à Estação; as aulas e as traquinagens no Santana e no Estadual;  
o bar Café Rex, que ficava localizado às margens do rio Piracicaba; o bar do seu Daniel e de seu Simões; as pescarias no Piracicaba, onde hoje só serve para dar banho em minhocas; as matinês no Cine Monlevade; os programas de auditório da Rádio Cultura, onde cantei em público pela primeira vez; os bailes carnavalescos do Ideal Clube e os carnavais de rua; os desfiles de 7 de setembro com parada militar e tudo; a assistência médica, onde a Dra. Déa me atendia carinhosamente; o Grêmio, onde eu só entrava às escondidas, principalmente, quando havia festivais de música, como o inesquecível Festiaço; a praça do mercado com o armazém e os burros do Geo, mercearia Bandeirantes, Casa Jaime e Maluf, a loja do "Zé Gordo" e do Nova Lima, Sô Juquinha, O Empório Monlevade, a farmácia do Juventino Caldeira e, principalmente a feira em frente à delegacia de polícia, onde a figura folclórica do Seu Enéas fazia-se sempre presente, tocando aquela flauta cunhada num pedaço de bambu como que se quisesse atrair os fregueses para a feira; os recreios noturnos no “Bar Para Todos”; etc., enfim, as lembranças de um povo sofrido, simples e trabalhador que ajudou a fazer da Companhia Siderúrgica Belgo Mineira o que hoje ela é: a Mittal. E olhando aquelas pessoas que estavam retornando para suas casas, lembrava-me do percurso que eu também fazia quando lá morava... 
Então, desperta-me das lembranças o barulho do trem por cima do viaduto, avisando-me que eu estava chegando ao meu destino ou quem sabe, como se quisesse despertar-me das lembranças do passado...  mas o efeito foi contrário: Antigamente não havia aquele viaduto e, sim, uma guarita, onde atravessava para buscar leite e mingau no “Lactário”, para ir às praças do mercado e do cinema...  e  não vi o outro viaduto, aquele que representava o arco do triunfo, a passagem para o berço da história cultural, comercial e industrial de nossa cidade; hoje transformado em uma grande muralha, fechando assim, a porta do passado, guardando as minhas relíquias e de toda a juventude daqueles áureos tempos, que se transformaram em histórias sem imagens para os meus filhos...

 Ao descer o morro do “Rampa´s”, notei que os prédios do Cassino e  Hotel Siderúrgica já não eram como antes...  mais pareciam essas casas mal-assombradas de filmes de terror, com teias de aranhas e poeira para todo lado. A minha memória leva-me à frente deste hotel, onde eu ficava engraxando os sapatos dos hóspedes e cantando: “ Olha o lustro carioca que não mancha e nem reboca...”. Em seguida, lá estava o Hotel Monlevade, que depois de muito tempo fechado, só serviu para abrigar o Sindicato, posto de saúde, barbearia, etc. ...
        Desci no ponto da Igreja e a primeira visão me fez delirar: a matriz São José Operário, com mais de meio século de vida... e penso que pelo menos alguma coisa não havia mudado de 30 anos para cá...  E a segunda  estarreceu-me, pois sob o céu acinzentado lá estava o dragão a soltar fogo e fumaça pelas ventas, que se agigantou em nome do progresso e ao mesmo tempo, em nome desse mesmo progresso, reduziu a necessidade de mão de obra. Então começo a experimentar aquele sentimento, aquela sensação de perda, de uma vazio tão grande, o que foi acrescentado pela lembrança da casa dos Ferreira, à rua  tapajós, 599: a minha casa. Lembrei-me da luta travada de meu pai para transformar aquela casa de três quartos em sete para abrigar a família de 15 filhos, que já não eram mais crianças em 69... Mas que depois, com a sua mudança para a morada do pai celestial, nossa casa serviu apenas para guardar as boas recordações que já haviam perdido o seu valor sem a presença de seu construtor...  É difícil saber se vale a pena construir uma casa para mais tarde ser povoada por fantasmas...
        Enfim, comecei a rever a vizinhança: D. Sinhá de Sô Dário, Seu Oswaldo de D. Maria, Seu Benedito, D. Lilita de Seu João Carneiro, D. Geni de João Tôrres, D. Quinita, Dona Edite, "Bengala", Dona Lilia de Seu Etelvino, Seu Pedrinho, Seu Balbino, D. Maria de Seu Adão, D. Mariinha, Seu "Zé Pinheiro", Seu Antônio de “Donieta”, Dona Geni de seu Mulatinho, Dona Sussuca, Seu Baldêz, Seu Geraldo Biscoitinho e outros mais. Não sei dizer se estavam todos bem, pois muitos destes já se foram para a eternidade; outros mudaram para outros lugares e por receio de descobrir que poucos permaneciam morando lá, não bati na porta de ninguém. Preferi guardar na lembrança a imagem de todos do jeito que eram, pois vivíamos todos como se fôssemos uma só  família, quando até mesmo não se construía muros para separar uma casa da outra e vizinho era o parente mais próximo...
        Então peguei o ônibus e retornei a Carneirinhos com a certeza de que esta minha viagem ao passado me havia feito valorizar mais o presente, pois no futuro o presente poderá ser um passado tão inesquecível quanto este que acabo de remontar.
(Afonso Alves Ferreira)

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